Há pelo menos três fontes seguras de dificuldades no novo governo Bolsonaro: o não reconhecimento do poder dos partidos políticos, a falta de habilidade política de Paulo Guedes e o antagonismo com a imprensa.
Papel dos partidos - de acordo com a retórica anti-partidos políticos que o elegeu, Bolsonaro montou um governo com muito pouca influência dos partidos, contrariando a dinâmica de negociação que marcou todo o período democrático. No lugar dos partidos, negociou com bancadas temáticas, como a bancada da agropecuária. A prioridade dada a essas bancadas em detrimento dos partidos confere uma aparência mais técnica e menos política às negociações. Essa escolha extremamente heterodoxa seguramente será uma das principais fontes de dificuldades do novo governo. Ao contrário do que parece, as bancadas são políticas e tem coesão interna muito frouxa. Várias bancadas tem adesão puramente formal, sem engajamento de parlamentares e dentro de uma mesma bancada, frequentemente não há consenso sobre as soluções, que dividem internamente o grupo. Mas muito mais preocupante é o fato de que as bancadas não dispõem dos instrumentos de disciplina dos partidos, elas não podem fechar questão e não têm o poder que está concentrado nas lideranças partidárias de distribuir cargos legislativos e outros benefícios. Sem o poder de disciplinar o grupo, parece fadado ao fracasso a ideia de negociar votações com as bancadas. Quando essa abordagem falhar – e deve falhar tão logo Bolsonaro precise aprovar medidas legislativas importantes e controversas – o governo vai precisar reconhecer o poder dos partidos, fazendo a tradicional concessão de cargos e verbas, obrigando uma reforma ministerial num futuro não muito distante.
Paulo Guedes - como os jornalistas que o acompanham já descobriram, Paulo Guedes é um brutamontes sem nenhuma capacidade de articulação política. Sempre que é contrariado ou desafiado, Guedes perde a linha e estoura. Além disso, como as negociações sobre as verbas do sistema S já demonstraram, ele é um tecnocrata arrogante que quer impor as medidas por meio da força, tratando encontros com as partes interessadas como espaços de informação das medidas tomadas e não como espaço de escuta, negociação e compromisso. Acostumado ao poder de comando empresarial no setor privado, Guedes é desprovido da habilidade de ceder e acomodar interesses. Essa característica somada com o excesso de poder que lhe foi conferido é fonte segura de instabilidade do governo. Ele vai precisar enfrentar logo no começo da administração temas cabeludos que contrariam muitos interesses, como a reforma da previdência, a reforma trabalhista, a reforma do sistema S e as privatizações. Enquanto em alguns temas como juros, desonerações e o sistema S o ministro vai bater de frente com o poder do dinheiro, em temas como previdência, privatizações e reforma trabalhista vai enfrentar os sindicatos e em pelo menos dois dos últimos temas, previdência e direitos trabalhistas, vai adicionalmente enfrentar o paredão da opinião pública. Com tantos adversários e com tão pouca habilidade política vai ser muito difícil conseguir apoio parlamentar para uma agenda tão ambiciosa.
* Imprensa - Bolsonaro começou o governo dando recados claros de que vai tratar a imprensa como adversária. Ele tem privilegiado o contato direto com os eleitores por meio das mídias sociais informando medidas tomadas por meio do Twitter e comentando políticas de governo por meio de lives no Facebook. Durante a cerimônia de posse, tomou medidas punitivas contra os jornalistas que faziam a cobertura, revoltando os repórteres. Não se trata apenas da desconfiança que os petistas tinham com os meios de comunicação. Bolsonaro simplesmente não reconhece o poder da imprensa e a trata com um misto de desprezo e antagonismo estratégico. Como se elegeu utilizando praticamente apenas as mídias sociais, sobretudo o Facebook e o WhatsApp, Bolsonaro acredita que poderá seguir governando com elas, seguindo o exemplo de Donald Trump. Mas enquanto deve conseguir seguir mobilizando sua base com a infraestrutura de sites e páginas hiperpartidários, por um lado e os grupos de WhatsApp de outro, ele vai cada vez mais se afastar do establishment cuja opinião segue sendo estruturada pelos meios de comunicação tradicionais. Além disso, embora as mídias sociais tenham uma influência crescente, a TV que tem uma audiência concentrada e não dispersa, segue sendo o meio de comunicação mais importante. Bolsonaro tem flertado com as emissoras de TV, sobretudo com a Record, mas também com o SBT e a Band, mas tem a oposição declarada daquela que tem mais audiência do que todas as outras somadas, a rede Globo. Quando Bolsonaro começar a enfrentar os temas controversos da sua agenda política, como previdência, privatizações e reforma trabalhista, ele vai precisar muito de uma boa inserção na imprensa e os mau-tratos e o antagonismo que tem sido manifestados agora gerarão uma antipatia e resistência naturais, mesmo nesses temas políticos que têm o apoio editorial da maior parte dos veículos.